A Grande espera
Sabe aqueles dias que você passa uma noite horrivelmente
mal dormida no sofá e acorda as quatro da tarde, indo direto para a janela do
quarto para contemplar metade da cidade esperando que seu trago matinal no
paieiro vá salvar sua vida pelo menos mais um dia sem sair pelas ruas querendo
destruir todos os carros passantes culpados de todos os seus infortúnios
aleatórios? Daí você vê um carro tostado na frente do posto, com corpo de
bombeiros, batalhão da polícia militar de trânsito e a merda toda, metade da
frota e um quarto de toda a brigada que faz algo de realmente decente pela
cidade e chega a conclusão de que de fato, seu dia será uma reprodução medonha
da noite insone assistindo um filme típico de um típico policial americano,
velho, alcólatra, divorciado, ranzinza e lacônico – mas que se preocupa com o
mundo inteiro no fundo. E na cena mais típica, quando ele entrega o distintivo
ao superior, resolvi que toda essa repetição típica de insônia televisiva
chegou ao ápice e que ainda preciso ter pelo menos umas três horas de sono
contínuo, virei para o lado e dormi.
E acordo com o carro no posto. Mesmo posto que vou quase
religiosamente pegar um litrão de Itaipava, assistir qualquer coisa esportiva na TV do posto entre
magnatas, vagabundos e trabalhadores de lá. Por mais desgraçado que esteja, um
homem tem que ter suas prioridades!
Cê pode
virar cinco noites seguidas sem trocar de roupa. Tua mulher pode te largar, seu
melhor amigo ter fugido com ela para um cruzeiro, ter sido baleado pelas costas
pelo cunhado enquanto tua sogra te distraia, ter tido uma perna devorada por um
tubarão cabeça-chata a uma milha náutica Rio Amazonas acima ou ter sido
sodomizado por um anão filipino travesti vestido de palhaço junto com um bixo
preguiça depois de ter sido drogado por uma gostosa qualquer e ter acordado no
dia seguinte numa banheira sem um rim. Você tem um dever moral e cívico consigo
mesmo de se levantar da banheira, ir até o posto, pegar o litrão de Itaipava,
tomar como longneck e ainda fazer piada com algum magnata bebedor de Heineken,
dizendo “hei, o meu é maior que o seu”.
De
qualquer forma, creio que minha situação seja um pouco menos grave. Não fui
sodomizado por nenhum anão traveco palhaço, nunca vi um bicho preguiça ou tubarão
vivo, não sei se tenho uma guria e nem se meu possível cunhado já encostou em
alguma arma de fogo. De qualquer forma, uma noite mal dormida de incertezas
mil, a falta de um emprego e a eterna espera que findará com Julho sobre alguma
decisão de qualquer coisa junto com uma ligação de um velho amigo que quer ver
Anderson Silva e Sonen fazendo o circo deles, fingindo que se odeiam fora do
ringue, fingindo que são os melhores artistas marciais do mundo e a emissora
fingindo que aquilo é a luta do século - enquanto Manny Pacquiao ainda está na
ativa e Teófilo Stevenson faleceu há menos de um mês – para garantir a
audiência – me levam ao dever cívico de passar uma noite no posto. Com um
litrão de Itaipava. E não, não estou a cinco dias virado, sem banho e com a
mesma roupa.
Só uma
noite ruim, duas canecas de café pingado, um milhão de tragadas nos cigarros de
palha, uma goiaba do tamanho do meu punho, uma tarde lendo Jack Keruak ao som
de Tom Waits, uma medalha de Santo Antônio junto a uma chave no pescoço e a
ansiosa espera. Ainda hoje Sonen ou Anderson Silva vão sair do octógono numa
maca ou similar. Com sorte Spider vai arrancar um pedaço da orelha do Sonen com
uma mordida. Mas, creio que não se fazem mais Tysons como antigamente...
A noite
cai, o velho amigo desmarca o encontro para ver a luta com o cunhado. Espero
que a sogra não o distraia... Ainda assim, um bom banho, mais um paieiro, um
anel para cada dedo (ainda me faltam conseguir mais dois), bomber da Infraero
bandeira da Jamaica no peito, camisa de treino do goleiro do Mengão – vinda
direto das mãos de Júlio César para algum amigo meu que era gordo e se tornou
obeso e me passou adiante – chapéu xadrez - que não é xadrez de fato - de minha
falecida mãe, calças de lã do mesmo “xadrez” e bainha italiana esgarçada, tênis
xadrez – de verdade - de skatista – que nunca fui - papo furado com frentistas,
sintonização e recepção de notícias da rádio-pião sobre o carro queimado a
tarde, trocas de cumprimentos de duplo sentido, seguranças ainda desconhecidos,
brutamontes desconfiados com minha gentileza e todos os cumprimentos e “buenas”
e “Noite!’s”, ser chamado de Senhor pelo Bigode – que não tem bigode e também
se chama Cabeleira e é careca” – Itaipava na mão, churrasquinho mal passado do
Gaúcho que não é gaúcho, mesa e cadeiras altas. E a espera continua. A “Grande
luta”. Ninguém quer perder. Grande piada... Mas um homem deve manter suas
prioridades!
Ok,
chegada a hora. Três litrões, nenhum churrasquinho e nada das lutas antes de
duas da manhã. Assisti uma luta de boxe. O gringo de calção preto ganhou todos
os rounds. Venceu por K.O.. Se tivesse apostado teria ganho. Antes de entrarem
no ringue. Já sabia o resultado. Não apostei. Não vi a “Grande luta”. Não houve
vítimas no incêndio do carro.
Ok,
replay da Globo, Galvão falando merda como sempre... Primeira luta que vejo. Um
korea contra um brazuca. Vitória para o brazuca. Feia e rápida. Vergonha para
os dois. “arte”... Céus, Mas Oyama deve estar revirando no túmulo. Ele e Vovô
Gracie.
Começa
a “Grande Luta”. O “brasileiro” SPIDER deixou a família em LA... Entrou com
camisa do Corinthians, mas foi criado em Curitiba. O ufanismo chega ao ápice
pela narrativa da Globo, com breve erro de oito horas para declarar que a luta era "ao vivo". Sinto que se não gritar “Heil Silva!” com o braço
esticado, posso ser preso pela ABIN a qualquer minuto. Menos de dois minutos de
luta e não aguento mais. Luta de chão. Feia. Se quiser ver luta de chão,
assisto campeonato de jiujitsu. Se quiser ver sangue, vou fazer trabalho
voluntário em hospital. O Sonen dominou o primeiro round. Para bem ou para mal,
ele sabia o que fazia.
Segundo
round. Um escorregão bisonho. Sonen vai ao chão. Silva acerta uma joelhada
duvidosa e dá dois socos. Dois. Para quem disse que ía desfigurar o oponente,
esperava pelo menos uns trinta e a tropa de choque do exército egípcio tendo de
apartar p/ o juiz conseguir dar a vitória. Mas, dois socos, Silva se levanta,
já se fazendo de campeão. Não deveria esperar a avaliação técnica? Sonen
pareceu bem inteiro. Acho que aguentaria pelo menos o fim do round. UFC é uma
farsa. Nenhuma orelha arrancada. Vitória por K.O.
Enquanto
isso, um boxeador americano ganhou sua 35 luta por K.O. de 36 lutas...
Extremamente técnico, luta bonita. E duvido que alguém aqui saiba sequer o nome
dele... Eu não sei.
Enfim,
nada demais, para bem ou para mal. Somente a piada com um magnata bebedor de
Heineken, na fila para o banheiro. “A minha é maior que a sua!”. Óbvio que me
referia a longneck...
Amanhã
há de ser outro dia.