domingo, 21 de abril de 2013

Youri





Vitória tem se tornado cada dia mais uma cidade em crescimento com os habitantes ainda com pensamento provinciano. Tem sido raras as noites que consigo encontrar algum eremita iluminado da pista e passar uma noite semi-boêmia que seja proseando sobre o mundo e nossas rotas. Hoje foi um desses casos. Que Allah seja louvado por ter conhecido Yuri.
Meu fim de expediente seguiu parado. Queria somente comer um churrasquinho do gaúcho, tomando minha água mineral com gás e fumando meus paieiros, mesmo que sozinho, no tão afamado posto. Mas, como todos sabem (ou deveriam saber...) “Vitória não abre aos domingos”...
Chegando no posto, encontrei uma parada fantasma em beira de estrada. Dois frentistas sonolentos, nenhum carro, o gerente e um vendedor. E mais nada. Ontem estava lotado, por conta dum show. Hoje, não se via uma alma VIVA de fato.
Eis que então entrou o negão, pegando uma bomba de meio litro de pinga, com sotaque fortíssimo do meu Rio de Janeiro. Prosa vai, prosa vem, peguei uma breja, a primeira chama a décima, ficamos algumas boas horas proseando sobre viagens, pé na estrada, rolês na pista, religião, o tudo e o Nada.
Yuri é seu nome. Meio marroquino, meio brasileiro. Fala algumas línguas. Quem vê pensa ser um qualquer. Mas, o sangue cigano que corre em nossas almas bateu bem. Conhece desde Marrocos, até a França. Está com o pé na estrada há algumas semanas. Quatro dias aqui e ainda não pegou as manhas da rua. Que me perdoem meus vizinhos, mas capixaba é um povo medroso e ruim de informação. Nenhuma Ponte da Passagem será mais perigosa que Pavão-Pavãozinho sem ser morador. Nunca. Nem com UPS, nem com Deus e o Diabo juntos.
Mas, que Allah seja testemunha, aquele homem tem alma cigana. Exú de frente. Espírito inquieto.  Assim como eu. Andarilho e um vagabundo iluminado. Marca os locais que passa, de forma imperceptível, p/ saber sempre por onde foi e por onde voltar. Vitória tem muitas sinalizações urbanas irreconhecíveis p/ quem não conhece o asfalto. Me sinto mal se vir um muro não pixado por mais de 50 metros.
Mas, ele não é pichador. É um peregrino islâmico. Suas marcas são sutis e invisíveis a olhos não desvelados. Sabe lutar com faca. Saudou a faca de combate balinesa, apreendida na rodoviária.
Enfim... Fazia tempo que não escrevia aqui. Meu sangue cigano nunca cessara, assim como minha alma boêmia. Bebemos o que não tínhamos. Mas, bebemos, como irmãos.Com um trago e outro no paieiro entre uma prosa e outra.
Fazia tempo que não encontrava  outro caroneiro da pista. Me sinto bem. Hoje dormireicomo um bebê. As pessoas vão e vêm.  Mas, hoje recordei de todos os meus companheiros ciganos. Me limpou a alma com cerveja e paieiros. Fez meu dia morto em vivo. Não esquecerei.
Salam Aleykum, camarada!