domingo, 17 de abril de 2011

De Ciclos Sagrados, lealdade e neo-primitivismo; reflexões pós-Carraspana

Depois de algumas semanas vagando pelo vale das sombras e morte, com o Senhor olhando para minha cara de braços cruzados, possivelmente rindo e falando "Se vira ae, malandro!"; resolvi mandar tudo para o inferno e sair ontem para beber.

Foi bom pra cacete, revi amigos, bebi, troquei idéia com pessoas interessantes, revi amigos, bebi, comi carangueijo, revi amigos, bebi, sentei em mesas de bares de pessoas que tinha acabado de conhecer, revi amigos, bebi, separei uma briga, revi amigos, bebi... Enfim, mais uma boa noite de sábado, começando as oito e terminando as quatro da manhã, terminando sob pragas e xingamentos amistosos, intercalados de abraços e bençãos, de meus camaradas por estar voltando "antes mesmo" do Sol ter nascido... E eu precisando regularizar minha rotina... Mas, ficará para amanhã.

Sei que não posto nada aqui faz algum tempo, mas é pelo simples fato de não achar nada digno de se "compartilhar com o mundo". Sei tambem que meus textos aqui são cheios de erros e visivelmente não revisados. Isso é porque eles não são revisados e, hoje em especial, ainda estou meio bêbado de ontem. Mas, alguns acontecimentos ontem me levaram a pensar sobre muitas coisas.

Num dos bares, numa das mesas que sentei, uma guria do meu lado resolveu me encher o saco. Uma dessas coloridas ou necróticas quaisquer que você esbarra aos montes em entradas de festas modernosas, enquanto procura o vendedor de cerveja da esquina depois que até mesmo o posto de gasolina parou de vender cerveja e os bares estão caros demais. Mas ainda estava com dinheiro para uma cerveja (literalmente UMA...) num dos bares. Então, perguntei se incomodaria sentar à mesa e comecei propondo um brinde.

Aí começa a parte interessante. Brindei a saúde dum irmão meu. Fingi que não ouvi o riso desdenhando do brinde sincero que a modernosa resolveu usar para começar a tentar me ofender. Um dos camaradas da mesa brindou (nem todos o fizeram) mas falou que não via sentido no brinde.

Puta, comecei a explicar sobre tudo o que perdemos com a vida urbana atual. Noção de tempo cíclico, ligação com tradições interessantes, cultura orgânica, não industrializadas e massificada onde a arte e o artista são o mesmo que o consumidor e todas essas coisas que algum dia escreverei nesse blog ainda. Mas citei o fato da minha mãe ter morrido ano passado e que as pessoas se espantam pelo fato d'eu estar bem. E enquanto eu ía explicar justamente o porquê d'eu ter me sentido bem com o falecimento de minha mãe (que sempre amei), por conta da minha compreensão do mundo como cíclico, do fato de todos os parentes que quiseram tê-la ido vê-la antes dela ir, de todos os ritos seguidos (ritos e ligações que se perdem cada vez mais), da minha visão tranquila então da morte como algo "sagrado", talvez; a tal modernosa resolveu fazer mais um comentário infeliz. Sobre minha mãe.

Não perdi a compostura, nem a linha de raciocínio. Estava de pé ao lado dela (por estar fumando, creio). Simplesmente emendei na parte de que "minha mãe teve uma morte boa" (onde ela resolveu fazer piadas) a resposta de que "uma morte que uma cretina como você nunca terá, por ser tão imbecil". Falei isso a ela ainda rindo, sem alterar o tom de voz, e logo retornei a discussão normal com o camarada. Creio que passou até despercebida a maioria. Mas ela ouviu. E ela sentiu o peso disso. Sentiu o peso que a morte tem para ela. Posso ter falado durante uma hora tentando explicar o quanto perdemos ao perdermos os antigos ritos, as antigas noções mais orgânicas e cíclicas de tempo e todas essas coisas e ninguém que prestava atenção e argumentava e contra argumentava conseguia de fato entender o que perdíamos com isso. Estavam todos com os espíritos anestesiados pelas luzes elétricas 24 horas ligadas, rotinas de trabalho que não começam com o nascer do Sol, falta de tempo para apreciarem arte como artistas também e não só consumidore e outros trocentos fatores. Mas aquela criatura patética, sentiu bem, naquele momento, o peso que a morte tem para as pessoas. Não por compaixão com minha perda (ela estava zombando do caso) mas porque viu que ela também vai morrer e teme isso. Ótima oportunidade para refletir sobre isso tudo. Ótima oportunidade perdida pelo medo patético de encarar a questão e refletir um pouco. De olhar a volta.

Todo o discurso foi infrutífero no geral. Aquele "espantamento" desperdiçado foi como jogar pérolas aos porcos. Mas ainda assim brindamos mais duas vezes. Ela ficou mais calada. Eu saí e fui rodar mais. Ainda era menos de uma da manhã, creio.

Revi mais amigos. Bebi mais... Discuti saudavelmente com um velho camarada sobre a necessidade urgente de desmilitarização de vários setores da nossa sociedade para melhor funcionamento das áreas de proteção a qual eles pretendem atuar. Quando se juntou a coorporação (Corpo de Bombeiros Militar), esse meu amigo era bem militarista. Ótima pessoa, excelente coração. Parecia que seria um eterno menino. Agora amadureceu, critica bem o que viu lá dentro. Sabe distingüir melhor que qualquer operário-militar (praça), que já conheci, o joio do trigo acerca disso tudo. Agora é um homem de excelente coração. Acho que estou ficando velho... hehehe.

Por fim, rodei mais e, como sempre tem que ser quando vou fazer um passeio noturno pelo meu "quintal de casa", quase termina em briga. Tudo causado por mais uma maravilha do modo de vida atual: a prioridade sagrada de veículos em vias urbanas.

Estávamos numa rua lotada, junto a um vendedor de cerveja amigo nosso (que deixa agente fazer pindura... Começo do fim de noite...), se juntou a nós outros amigos de um amigo meu, todos garçons, ao que parecia, em folga. Todos trabalhavam lá perto. Quando passa uma moto rasgando e raspa o espelho no braço dum dos camaradas... A reação foi óvia, uma expressão qualquer de descontentamento (bem polida até, e concisa. Criticou sem palavrões a irresponsabilidade do cara!) pelo fato. O motociclista resolveu voltar e tirar satisfações. Um playboy. Outro parou um carro e fingiu que não tava com ele, mas ao todo estavam em três. Aparentemente, estava só o nosso camarada e outro, pela breve distância que estávamos dos dois, dava a impressão que eram só eles. Então os boys estavam em vantagem. Três a dois, certo? Bom, com mais nós dois que estavamos a uns passos da confusão, seriam três para quatro, ainda assim uma vantagem, visto que eram bombadinhos...

Algumas pessoas certamente não vão entender agora o porquê considero isso algo tão bonito. Mas o cauculo deles estava completamente errado. O cara era garçom, boa gente, de palavras agradáveis e gentis, bom senso de humor e evitou a briga. Ainda o acalmei e disse para ELE não começar nada quando o playboy voltou umas três vezes, passando pela contramão (Deus salve a liberdade do veículo motorizado individual e do sagrado mercado automotivo!) no meio das pessoas e carros, o ameaçou com o capacete na mão, o xingou, etc... Mas o acalmei não pelo medo de apanharmos. Acalmei pois se a briga ocorresse, aqueles três iriam apanhar não só de nós quatro (um homem com uma coleção de long necks vazias sentando a uma distância de visão limpa do alvo e segura contra um corpo a corpo do mesmo é quase a versão hooligan de um ninho de artilharia da segunda guerra... Os dois também estavam com garrafas e pelo que conversamos depois, saberiam muito bem usá-las. E eram GRANDES, calejados pelo trabalho, não por máquinas de academia...) mas sim de todos os seguranças dos bares ao redor, dos vigias de carro, dos garçons que não estivessem em serviço e de mais qualquer conhecido do camarada. Já havia mostras por parte dessas personagens de que estavam atentos e prontos para isso.

Como disse, sei que a maior parte das pessoas não vai ver com bons olhos minha apreciação por esse fato. Não sou a favor da violência gratuita (evitei a briga, como sempre, mesmo sabendo que não teríamos perda alguma, pelo simples fato de achar desnecessário). Sei que quase todos os seguranças daquela área, o próprio ofendido, o amigo dele e nosso amigo em comum também não são a favor da violência de forma alguma. Mas a questão é que, pela LEALDADE, pelo senso de camaradagem, iriam começar um linxamento, indo contra os próprios princípios, para não deixar uma injustiça passar em branco.

Fico pensando, quantos hoje em dia podem ter a segurança de que sua sinceridade e honestidade será sempre sua armadura, pois sempre haverão pessoas que ainda prezam pela boa camaradagem e tomam posição sem medo das conseqüencias quando é pelos seus?

Sair ontem me fez muito bem. Vi que tenho o que quase todos esses bonecos e bonecas de carne emplastificadas nunca terão. Ainda tenho sangue espesso correndo nas minhas veias e sei dar valor aos que também tem e que sabem agir pelos que lhes são prezados. Essa noite, depois de duas semanas vagando pelo vale das sombras e morte, dormi tranqüilo sabendo que eu estou seguro, enquanto ainda houverem pessoas assim.