sexta-feira, 11 de maio de 2012


 De José Eduardo A.Felix   e revisado por Guilherme Vargas
As Infernais                       

E
m uma clinica psiquiátrica, duas enfermeiras conversavam durante o café da tarde quando surge o assunto inevitável:
- Ju, lembra daquele trampo  que você  me indicou para outra clinica ?, você não comentou com ninguém daqui do trabalho, comentou?
- Camila, eu não comentei com ninguém  alem de você ,mas porque você esta me perguntando isso?
-É que... lembra que tem uma pessoa aqui do trabalho, uma baixinha que toda vaga de emprego, todo local que você me indica, ela aparece lá. Parece  um encosto uma  sombra me perseguindo!
Neste momento as duas amigas reparam que a poucos metros dali se encontrava Roberta, uma enfermeira recém formada que, devido ao seu jeito de lidar com as pessoas, era considerada por muitos como insuportável por sua própria existência.
As duas amigas, Juliana e Camila, decidem parar de falar do assunto por hora  e voltam ao  trabalho, achando que a onipresença da colega desfavorecida verticalmente era pura coincidência. Até que um dia ...
- Amiga, eu descobri!
-Descobriu o que?
-Descobri como a Roberta consegue aparecer em todo lugar que eu vou, em toda promoção, toda vaga de emprego..., em todo lugar que você me indica, a Roberta aparece de propósito.
- Tá, mas me conta logo esse mistério. Como é, me explica!
- Olha, Camila, eu vou te contar: Lembra na sexta feira quando a gente tava conversando na entrada do vestiário da clinica e te pedi o espelho para ver se tirava um cílio do meu olho?
Eu reparei que tinha alguém escondido atrás de uma coluna e era ela, a dita cuja!
- Mas por que você não me falou? Eu teria logo teria colado  esporro nela  a repreendido na mesma hora.
- Não sei, faltava alguma coisa para ter certeza, e agora pouco eu tive a confirmação desta suspeita. Quem me confirmou foi o Flavio, o segurança que trabalha no setor de monitoramento das câmeras. Pedi para ele me mostrar as fitas das ultimas duas semanas e sempre aquela pintora de roda pé estava por perto quando a gente estava conversando.
-Só isso não é prova, como você pode ter tanta certeza?
-Simples, lembra quando te passei o telefone do meu colega do inglês que trabalha na editora do livro sobre farmacologia? Te passei o telefone dele para você, que ele ia te fazer um desconto legal se falasse que me conhecia?
-Sei, você anotou no bloco de notas da enfermaria e me passou o numero. E daí?
-Daí que quando estávamos saindo reparei que a falsa estava de olho na gente e quando estávamos saindo, o Flavio me ligou e disse que ela rabiscou com grafite o bloco de notas (e assim é possível ver qual é o ultimo numero escrito), e destacou a folha e levou embora. E hoje meu amigo da editora me ligou confirmando que uma tal de Roberta tinha ligado hoje cedo e que, por ser minha conhecida, e que queria o mesmo livro.
E como se fossem tomadas pelo espírito da vingança, as duas resolveram tramar contra a colega desleal, mas nenhuma idéia parecia boa o suficiente. Teria que ser algo que atacasse o orgulho, provar do próprio veneno, como uma cobra que morde o próprio rabo...
Então quando chegou em casa, Camila teve uma idéia maquiavélica e logo ligou para a amiga:
-Alo, Ju?  Qual o nome do lugar que seu irmão frequentava?
(...)
Roberta chegou no trabalho no horário e logo passou no vestiário para guardar os pertences e trocar de roupa, e meio que “sem querer”  ouviu Ju e Camila conversando:
-Essa é uma oportunidade de ouro!
-Como assim?
-Como assim?! Como assim?! Não tem erro, é só chegar lá, não precisa de currículo, basta chegar lá e dizer que tem disposição para trabalhar que vão pagar bem!
-Quanto?
R$ 1000,00!
- Isso ai é por mês?
- Nada, é por noite!
-Mas porque você não foi ainda?
-Vou ligar mais tarde, eu acho que só eu tenho o telefone de contato, afinal meu irmão  conhece o  dono do lugar, e ele me deu  o numero dele nesse papel.
-Você deve tomar muito cuidado para não perder  esse papel ,porque você não guarda dentro do  seu  MANDA*, com toda certeza  você  nunca vai perder ![1]
- Tá bom, então vou fazer isso, e não deixa esquecer o livro, vou deixar ele na enfermaria.
-Pode deixar, mas agora vamos logo que o plantão já vai começar!
E durante o plantão na clinica, a tal Roberta ficou espreitando a enfermaria, um tubarão esperando o momento certo de atacar a presa, e na hora do almoço das colegas ela correu e conseguiu pegar o telefone que estava dentro do livro. Sem esperar nenhum minuto, ligou dali mesmo para o tal empregador:
- É nesse telefone que eu falo com o Príapo?
-É o próprio, quem deseja falar com ele?
-Oi meu nome é Roberta e eu gostaria de saber se a vaga de freelancer esta livre ainda e se é verdade que o valor da comissão é de R$ 1500,00? (1000, ou 1500???)
-Sim, é sim. Quer vir hoje para trabalhar, nós fornecemos uniforme e tudo que é necessário para você trabalhar. Pagamos ainda um adicional de R$ 200 para cada pessoa extra atendida. Então fechamos negocio?
-Pode sim quando posso começar?
No dia do primeiro dia de trabalho como freelancer, um carro veio buscá-la em casa e a levou até uma mansão que ficava a beira-mar, e na recepção o tal dono do lugar, o Príapo, a esperava (um sujeito escuro e cabeça raspada e muito alto, parecia um lutador de UFC), e logo ele  foi dando as instruções com um tom de urgência, pois já havia alguém esperando atendimento:
-Que bom que você chegou, você esta ótima com essa roupa, mas não gostaria de mudar  de roupa? Se bem que essa sua roupa branca esta ótima, já tivemos outra enfermeira aqui, na verdade uma estagiaria de enfermagem, veio aqui para pagar a faculdade..., mas é isso ai, quer começar agora, mas antes você quer ver resto do lugar ...
-Não, não é só mostrar o quarto onde esta o doente que eu tomo conta dele sem problemas.
- Doente? bem, cada um que trabalha aqui tem seu modo de chamar os nossos clientes, mas esse deve estar de acordo com seu personagem,  então guarde as suas coisas na recepção e vá até o quarto do sexto andar, o numero 69.
-Vou lá então, pode deixar, eu vou cuidar bem dele!
-Eu conto com isso, afinal todos quem vem aqui exigem o melhor tratamento possível, até amanhã.
E ao sair do elevador ela deu de cara com o quarto 69, logo estranhou uma mulher  de sobretudo  cinzento  com cabelos castanhos bem longos e presos  com uma presilha (destas de loja de  R$ 1,99), e quando esta ultima  a cumprimenta e  com um pouco de pressa :
- Oi tudo bem? Você é novata, não é?
-Sou, mas...
-Olha vai na calma que eu cansei o cara um pouco pra você, mas ele tá meio insaciável,hoje!
-Ele tem muita fome, come muito?
-Se come...
E quando a dama de sobretudo entra no elevador ela deixa cair um chicote no chão, que logo a mesmo pega  e guarda na bolsa, o que faz a pequena enfermeira disparar a pergunta:
-Você é enfermeira também?
E rapidamente recebe uma resposta com um ar de humor:
-Talvez isso eu seja na semana que vem, fui!
E sem muito entender a resposta ela se dirige para o quarto para fazer o serão extra e quem sabe ganhar uma gratificação  em uma noite o que geralmente ganharia em um mês (isso se  fosse enfermeira de algumas prefeituras da região da grande Vitória, como a cidade de Viana que costuma pagar mal pra caralho não remunerar adequadamente seus funcionários) . Logo, Roberta repara em coisas estranhas no local: tinha um aroma de hortelã no ar bem forte, havia um tapete vermelho que vinha da porta até a cama que era enorme, tinha espelhos no teto, tinha uma jarra de vidro na cabeceira da cama cheia de camisinhas – o local era uma verdadeira suíte imperial construída para um ditador pervertido. Mas curiosamente não se via o tal cliente que deveria estar no quarto, tudo num silencio misterioso, até que se ouve uma descarga de vaso vinda logicamente do banheiro do quarto:
- Oi ,  eu vim para pegar o segundo plantão da noite, sou a enfermeira, o senhor  pode vir aqui para falar comigo?
Uma voz grave como a de um locutor de radio AM vinda do banheiro aparece:
- Então você é a outra menina, a sua amiga estava me  dando um banho,  você poderia me ajudar vindo aqui  ajudar a me secar, pega uma toalha seca, deixei cair a minha toalha cair na banheira  antes de enxugar  o cabelo , tem toalha seca no baú perto da cama.
Neste momento  a jovem começa a pensar :
 - Deve ser destas clinicas secretas que gente rica manda os parentes que quer esconder do resto do mundo, para não sujar a imagem da família , ou vem para se recuperar de cirurgias plásticas e se esconder da imprensa, dos paparazzi, esse tipo de coisa. Esse ai ou deve ser um cara famoso ou parente de um, deve ser um pobre coitado que tem alguma doença ou uma síndrome que a família quer esconder do mundo, com certeza um coitado.
Quando leva a toalha para o banheiro dá de cara com um negão um afrodescendente de grande porte, aparentemente cheio de saúde e com cabelo rastafare.
- Uau, o pessoal da direção me falou que você era um pouca baixinha, gosto disso, e você já veio a caráter: vestida de branco, tem até estetoscópio igualzinho uma enfermeira...
- Mas eu sou enfermeira, e você não é aquele jogador de futebol daquele clube europeu?
-Sou sim, estou de férias no Brasil, mas não quero falar de trabalho é melhor você começar a trabalhar logo pois to pagando e tempo é dinheiro  e to pagando caro, ops! Meu sabonete caiu  pega  ele pra  mim fazendo o favor.
- Tá claro!
Quando ela se abaixa para cair no truque clássico usado em presídios, porta aviões norte americanos, no golfo persa e afins, ela é agarrada por traz pelo cliente bem dotado fazendo ela dar um grito estridente, dá um  “golpe baixo” no jogador que acaba afinado a voz de dor.
- Tá louca sua puta, isso doeu vou me queixar com o pessoal e você  nunca mais vai trabalhar nesse puteiro!
- Puteiro?, do que você tá falando, isso é  uma clinica não é ?
- Clinica, casa de massagem, casa de repouso, spa, para mim é  tudo a mesma coisa, não importa o nome que usam para ter o  CNPJ, tudo não passa  de bordel...
Neste momento, tomada pelo espanto, a garota corre para descer as escadas e no caminho encontra uma mulher vestida com uma lingerie preta  conversando com uma outra de sobretudo  branco , mais adiante vê alguém  com roupa de odalisca saindo do elevador, quando chega na recepção depois de  uma porrada de lances de escada   muitos lances de escada ela chega ao térreo onde pega as suas coisas na recepção  e antes que pude-se sair encontra-se com o tal Priapo:
- Menina que tipo de profissional é você? Acabou de lesionar um grande atacante do futebol, você sabe que o Brasil pode perder o próximo amistoso por sua culpa!
- Como assim? Eu vim aqui para trabalhar e fui atacada por um maluco, aliás ele disse que isso aqui é um puteiro!
- Puteiro não, não somos qualquer empresinha que trabalha com putas de esquina, nós só trabalhamos com coisa de primeira, nossas meretrizes são todas de alta categoria, tanto é que somos conhecidos internacionalmente como uma casa de entretenimento que visa garantir aos nossos clientes diversão e alivio das tensões com o melhor da safra brasileira. Alias, quando te vi logo achei que você tinha potencial para o negocio...
- Jura ?
- Mas me enganei, depois desta putaria droga que você fez com um de nossos melhores clientes, acho que nem pra isso você serve, vaza daqui e não volta nunca mais, e nem espere que em te emprestar algo para limpar essa sua calça toda suja de porra  e nem espere que eu te dê uma carona para a cidade,  pode ir andando esses 10 Km ate o próximo ponto de ônibus!
Saindo dali transtornada e humilhada ela andou os 10 km até conseguir embarcar em um ônibus lotado e chegar em casa três horas depois. Estava tão exausta que caiu na cama acabou dormindo sem tirar a roupa de enfermeira, e durante o sonho imaginava porque isso tinha que acontecer com ela?
Em outras palavras tudo não se tratava de uma armadilha tramada pelas colegas de trabalho, que estavam em um bar perto do apartamento de Roberta, conversando com mais duas colegas. Todas riam da cena tragicômica de ver a colega interesseira com a calça branca toda amarelada e amassada.
De fato, algumas mulheres conseguem arquitetar vinganças com tanto requinte de crueldade, deve ser porque elas sabem, melhor do que ninguém, bater onde dói mais.




[1] *Manual de Diagnostico, geralmente usado por enfermeiros e profissionais da área de saúde.

Nenhum comentário:

Postar um comentário